No último domingo (04/11) tivemos a primeira etapa do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e, mais uma vez, o tema surpreendeu pela sua atualidade e necessidade: ”Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”.
Embora bastante abrangente, aqui nossa intenção é promover uma breve reflexão sobre os desafios que concernem à educação brasileira, a contradição entre as intencionalidades e as práticas das políticas educacionais no Brasil.
Não há democracia étnica no Brasil, uma vez que até no século XXI percebemos as diferenças de tratamento entre as populações fenotipicamente brancas e as fenotipicamente negras no país. A valorização da branquitude, em detrimento da negritude, é tão evidente no país que fez-se necessária a aprovação de Leis que pautaram o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena na educação básica.
A professora Bárbara Carine (UFBA), em seu livro Como ser um educador antirracista (2023), afirma que: “no caso específico da educação formal, há intencionalidade pedagógica (não se ensina despretensiosamente – o ato educativo é planejado) e há sistematicidade dos conteúdos a serem socializados, ou seja, existe um currículo, que também é intencional e reflete em projeto histórico assumido por suas pessoas mentoras” (página 22). Para a autora, portanto, “onde a gente não se vê, a gente não se pensa”.
Nesse sentido, consideramos que toda a estrutura que dá suporte à educação da nossa juventude, desde o currículo até as práticas escolares, como diz Nilma Lino, é colonial, ocidental e repleta de dicotomias. Ou seja, ainda temos uma “escola eurocentrada com um currículo colonial”. Deste modo, reconhecemos os avanços, contudo, sem relativizar os desafios e limites da política educacional no país, principalmente se pensarmos a integração da educação étnico-racial.
Como resultado da luta organizada dos movimentos sociais, precisamos destacar que os avanços na pauta e legislação etnico-racial devem ser apontados e celebrados, tais como a Lei de cotas (12.711/2012), a Lei do ensino de história e cultura afro-brasileira (10.639/2003), a Lei da história e cultura indígenas (11.645/2008), a Lei de cotas para o serviço público (12.990/2012) e, mais ainda, a criação do Ministério da Igualdade Racial. É no bojo dessas parciais e insuficientes conquistas que o tema do Enem parece vir como um desdobramento desse avanço, e talvez, mais uma tentativa de reparação histórica.
Por outro lado, precisamos indicar o hiato que existe entre a implementação de tais Leis e a efetividade das ações que, não bastasse a morosidade em torná-las políticas públicas, estão sempre em constante ameaça ou na transversalidade dos currículos e debates. Isso significa afirmar que a luta deve ser constante para garantir que tais políticas não sejam sazonais, parciais e dependentes de iniciativas individuais da escola/educador para serem aplicadas. Este é um elemento fundamental. Não deveria haver desencontro entre os pressupostos legais, o discurso e as práticas dos sujeitos. Do mesmo modo, as(os) educadoras(es) não podem ser responsabilizadas(os) individualmente por conta das ausências e/ou presenças sazonais da temática no cotidiano escolar.
As diversas contrarreformas e ataques que a educação vem sofrendo ao longo desse período vão desde cortes no orçamento público; o avanço da privatização nas escolas e em diversas instâncias das universidades, Cefets e Institutos Federais; a estruturação excludente da Lei do Novo Ensino Médio (14.945/2024); entre outras medidas, até a consolidação de um sistema de avaliação que reforça as desigualdades educacionais e o ranqueamento entre as Instituições de Ensino Públicas (com exames como o Enem). Essa realidade faz com que as práticas antirracistas se cristalizem no âmbito da educação nacional.
Neste sentido, nosso caminho não deve se pautar exclusivamente no chamado debate identitário ou de representatividades vazias, mas impulsionar, no campo das ideias e das ações, o combate ao capitalismo como motor das desigualdades sociais no país. Assim, compreendemos que é muito importante dar visibilidade às nossas pautas em espaços que dialogam com a opinião pública, como o caso do Enem. No entanto, é preciso expor que um dos maiores desafios é combater a fragilidade das políticas públicas que, na maior parte das vezes, constituem direitos na formalidade, mas não nos dão ferramentas e as condições reais para usufruí-los.
Brasília-DF, 5 de novembro de 2024
Coordenação de Políticas Educacionais e Culturais do SINASEFE
Secretária: Andréa Pereira Moraes
Secretária-adjunta: Maria Artemis Ribeiro Martins
Coordenação de Políticas Étnico-Raciais do SINASEFE
Secretário: Evaldo Gonçalves Silva
Secretária-adjunta: Cristina Valéria Gomes
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