À comunidade do IFSertãoPE,
Se o relógio de ponto registra minutos, por que ainda insistimos em aplicar a mesma lógica à produção do conhecimento, como se esta pudesse ser cronometrada em turnos de fábrica? Por qual motivo o trabalho intelectual segue subordinado ao controle biométrico, mesmo após a União ter reconhecido, em documento oficial – o Termo de Acordo de Greve MEC/MGI n.º 10/2024 –, a total incompatibilidade entre esse modelo de controle e as especificidades das carreiras TAE e EBTT?
Ainda assim, a Reitoria do Instituto Federal do Sertão Pernambucano persiste em manter o sistema ativo. Este boletim propõe-se a aprofundar a reflexão, apresentar os documentos cabíveis, desmontar alegações frágeis e reafirmar que a defesa da liberdade acadêmica e administrativa é, também, uma resistência à lógica produtivista que tenta reduzir o fazer educativo à mera presença física diante de um sensor.
1. TAEs e Docentes: a necessária isonomia na liberdade acadêmica
A alegação de que a extinção do ponto eletrônico configuraria um “privilégio docente” ignora a complexidade das funções exercidas pelos Técnicos Administrativos em Educação (TAEs). Assim como os docentes, os TAEs realizam atividades que extrapolam a simples permanência física.
A Lei nº 11.091/2005 já prevê jornadas flexíveis. O Acordo nº 10/2024 abre espaço para repensar o controle de assiduidade para toda a comunidade acadêmica. Defender a extinção da catraca tanto para docentes quanto para TAEs é coerência institucional e reconhecimento do trabalho educacional como atividade intelectual.
2. AS alegações da Reitoria e suas fragilidades
O Ofício SEI nº 126/2025/REIT fundamenta a manutenção do ponto eletrônico em três argumentos principais:
a) O Acordo nº 10/2024 somente teria eficácia após a edição de novo decreto que altera o Decreto nº 1.590/1995;
b) Pareceres e notas técnicas anteriores (AGU 00117/2019, IN 2/2018, Nota Técnica 28499/2020) sustentariam a obrigatoriedade do ponto eletrônico;
c) Enquanto isso, a migração para o Programa de Gestão e Desempenho (PGD) seria uma solução intermediária.
Cabe examinar cada ponto com o devido rigor técnico:
a) O texto do próprio acordo é cristalino: ““Cláusula 3, alínea c – A Liberação do controle de frequência para o Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico – EBTT será realizada através da alteração do Decreto nº 1.590, de 10 de agosto de 1995, cuja tramitação será providenciada, imediatamente, após a assinatura deste Termo de Acordo”. Não há condicional explícita. A exigência de decreto subsequente pode adequar a normatização, mas não suspende a eficácia de um acordo bilateral firmado entre a Administração Pública e servidores em greve, especialmente após seu reconhecimento pelo próprio Governo Federal. O art. 53. da Lei nº 9.784/1999 assegura que a Administração pode – e deve – revogar atos administrativos por conveniência ou oportunidade, sem ferir direitos já adquiridos.
b) Mesmo o parecer AGU 00117/2019 reconhece, em sua conclusão, a possibilidade de adoção de meios alternativos de controle, “observadas as peculiaridades do trabalho docente”. A Nota Técnica SEI nº 28499/2020, por sua vez, estabelece que normas posteriores e específicas devem prevalecer. Nada mais atual e específico do que o Acordo nº 10/2024.
c) A proposição de migrar para o PGD é, na melhor das hipóteses, uma tentativa de desviar o foco do debate. O PGD, nos termos do Decreto nº 11.072/2022, é um programa opcional, voltado à gestão por metas e resultados – não à substituição do controle de ponto ou ao reconhecimento das especificidades do trabalho docente e técnico. Ele não abarca deslocamentos internos, visitas técnicas, aulas práticas ou extensões em comunidades. Trata-se, portanto, de matéria distinta.
3. Esclarecimentos adicionais ao diálogo institucional
Em continuidade ao diálogo estabelecido por e-mail institucional e outras frentes de comunicação com a comunidade do IFSertãoPE, apresentamos respostas a algumas perguntas recorrentes:
A. “A Reitoria possui autonomia para suspender o ponto eletrônico?”
Sim. Conforme o art. 53 da Lei nº 9.784/1999, a Administração Pública dispõe de autotutela, ou seja, pode revogar seus próprios atos administrativos quando sobrevier norma hierarquicamente superior. O Termo de Acordo nº 10/2024, por seu caráter especial e posterior, exige a revogação imediata da Portaria nº 531/2015.
B. “Cabe judicialização da questão?”
Certamente. Um Mandado de Segurança coletivo (CF, art. 5º, inciso LXX, alínea “b”) pode ser impetrado para garantir o direito à não submissão indevida ao ponto eletrônico. No entanto, a própria assinatura do acordo pelo Governo Federal já deveria bastar. Se, ainda assim, for necessário recorrer ao Judiciário, será uma demonstração inequívoca de que a gestão institucional opta por manter um modelo de controle superado.
C. “A Carta-Manifesto do campus Salgueiro ficará restrita ao ambiente interno?”
De modo algum. A Carta-Manifesto integra uma mobilização nacional articulada pelo SINASEFE, que busca assegurar a efetiva implementação do Acordo
nº 10/2024. A visibilidade pública da campanha é parte essencial da estratégia de pressão política, como se
comprova pela atuação da Direção Nacional junto ao MEC em diversas ocasiões, amplamente noticiadas em seu site oficial.
D. “Por que o sindicato não apresenta um parecer jurídico completo?”
Porque essa incumbência recai sobre a própria Reitoria, que detém os processos e documentos completos relacionados ao ponto eletrônico. O SINASEFE IFSertãoPE, por sua vez, tem demonstrado reiteradamente, por meio de ofícios, assembleias e manifestações públicas, a viabilidade legal da suspensão imediata do ponto. O ônus da justificativa formal pela manutenção do sistema é da gestão que o implementa, não da entidade sindical que denuncia sua incongruência.
4. Alguns fatos que não podem ser ignorados
A. A hierarquia normativa não se inverte
Em qualquer manual elementar de Direito Administrativo, a pirâmide normativa é clara: Constituição → leis → decretos → instruções normativas → portarias. O Termo de Acordo MEC/MGI nº 10/2024, firmado entre dois ministérios federais e entidades representativas de trabalhadores e trabalhadoras, encontra-se em patamar superior à Portaria nº 531/2015, que instituiu o ponto eletrônico no IFSertãoPE.A Lei nº 9.784/1999, em seu art. 53, reafirma que atos administrativos devem ser revogados quando normas superiores os contradigam. Não há espaço, portanto, para inversões hierárquicas convenientes.
B. Liberdade e isonomia como princípios fundamentais
Em 19 de fevereiro de 2018, o Ministério Público Federal manifestou-se contrariamente à implantação do ponto eletrônico no IFSertãoPE (Anexo I).
Entre os fundamentos apresentados, destacou-se a defesa da liberdade de cátedra, elemento essencial à tríade ensino, pesquisa e extensão. O parecer apontava: “A finalidade da dispensa do controle de assiduidade e pontualidade não é outra senão consagrar o princípio da liberdade de cátedra”.
Se os docentes da carreira de Magistério Superior estão dispensados desse tipo de controle, com base na natureza de suas atividades, por que razão os profissionais da carreira EBTT e os TAEs seguiriam submetidos à lógica do relógio? A Constituição Federal (arts. 5º e 37) exige tratamento isonômico diante de funções equivalentes. E a Lei nº 11.091/2005, como já exposto, autoriza a flexibilização da jornada dos TAEs.
C. Acesso integral a toda a documentação de implantação e manutenção do ponto
No OFÍCIO Nº 15/2025/Sinasefe/Seção Sindical/IFSertãoPE, alínea “a” de 14 de abril de 2025, solicitamos à Reitoria do IFSertãoPE que nos fossem apresentados todos os documentos administrativos referentes à implantação e manutenção do controle eletrônico de frequência na instituição. No entanto, a documentação enviada ao sindicato pela Reitoria por meio do Ofício SEI nº 126/2025/REIT/IFSertãoPE é apenas uma fração, ao que parece muito pequena, do que foi solicitado. Os próprios documentos fazem menção a outros documentos que não foram enviados.
D. PIT e RIT como instrumentos de assiduidade
Existem alternativas à substituição ao controle de frequência. O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense, através de portaria interna (Anexo II), e no contexto pós-assinatura do acordo de greve de 2024, criou precedente ao substituir o controle de ponto eletrônico dos docentes pela verificação do PIT e RIT.
E. Convergência da Procuradoria institucional e Ministério Público Federal
Existem Pareceres tanto da então Procuradora institucional (Anexo III), quando do Ministério Público Federal (Anexo I) em favor da similaridade de carreiras dos docentes EBTT e de Universidades o que, por conseguinte, levaria a um contrassenso na implantação do controle eletrônico de frequência para os professores do IFSertãoPE.
Considerações finais
Quando o ordenamento jurídico avança no reconhecimento de direitos, é inadmissível que práticas burocráticas se tornem entraves à sua implementação. Sustentar que a suspensão do ponto depende de um decreto futuro é, com o devido respeito, uma forma elegante de dizer que nada será feito por ora – o que, na prática, nega o próprio avanço representado pelo Acordo nº 10/2024.
Se aceitássemos esse tipo de raciocínio, estaríamos ainda esperando leis formais para abolir a escravidão ou garantir o voto feminino. A história já demonstrou que, em muitos momentos, o direito precede a norma escrita – e que a omissão institucional pode ser tão grave quanto a afronta direta. O ponto eletrônico, neste caso, simboliza mais do que controle: simboliza resistência ao reconhecimento do trabalho intelectual como atividade autônoma, criativa e essencialmente diversa do modelo fabril. Desligar a catraca é mais do que um gesto técnico: é um posicionamento político em favor da liberdade acadêmica, da valorização do serviço público e da confiança no profissional da educação.
Espalhe este boletim. Estude os documentos. Reflita e debata em seu campus. A luta contra o controle irracional é também uma luta pelo reconhecimento do valor do nosso trabalho!
Diretoria Executiva – SINASEFE IFSertãoPE