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APESAR DOS PESARES, A ESPERANÇA VEM COM A LUTA

APESAR DOS PESARES, A ESPERANÇA VEM COM A LUTA

Publicado em 20/04/2021 às 13:12

Por Cícero Muniz

Provavelmente você, como eu, hoje encontra-se em uma situação de trabalho desejada: Funcionária(o) Pública(o), boa remuneração, estabilidade e afins. Também, assim como eu, creio que você também ande – pelo menos nos últimos anos – angustiada, diante de tantos ataques ao serviço público, e, portanto, ao seu sonho e emprego.

PEC do Teto de Gastos Públicos (EC 95 de 2016), Reforma Trabalhista (lei nº 13.467 de 2017) e Reforma da Previdência (EC 103 de 2019) já significaram fortes retrocessos aos nossos direitos duramente conquistados. Rondam ainda nossas noites intranquilas a promulgação da PEC Emergencial (nº 186/2019) e a Reforma Administrativa (nº 32/2020), que podem significar uma degradação e precarização acentuada da qualidade de nosso vínculo público e, por consequência, da própria estrutura e funcionamento do serviço público.

Todas essas r(d)eformas são danosas em vários sentidos, mas destaco aqui dois níveis: o social, através da deterioração do serviço público e gratuito estatal, principal forma de política pública para garantia e efetivação dos direitos de todo cidadão brasileiro, e o individual, através da perda do serviço público de qualidade (para a população em geral) e da qualidade em serviço para nós, funcionárias(os) públicas(os). Neste sentido, apesar de todos os pesares, se torna imprescindível que todos nós defendamos o Serviço Público, enquanto uma “instituição” do Estado brasileiro.

Algumas boas almas, motivadas diante destas palavras introdutórias, poderiam me perguntar: “E aí, o que podemos e vamos fazer?”. Ao passo que responderia: “O de sempre: se organizar, lutar e resistir!”. Outras, talvez mais céticas ou ensimesmadas, apenas ignorariam o meu apelo e continuariam os seus afazeres diários, preocupados com as novas roupas, a troca do carro e/ou a próxima viagem dos sonhos. Às primeiras eu dirijo a minha solidariedade, respeito e admiração; às segundas eu insisto, e peço a atenção. Eu escrevo para ambas, bem verdade, mas gostaria de me fazer ouvir sobretudo àqueles que talvez não estejam atentos e engajados nas questões que acabei de iluminar até aqui.

Vocês realmente gostam e têm apreço pelo seu emprego? É/foi a realização de um sonho para ti e para tua família? Você teria chances de estar nas mesmas condições se não fosse o/no serviço público? Aliás, você teria alcançado e conquistado todas as coisas que possui (educação, bens, qualidade de vida etc.) sem o serviço público? Se sua resposta foi “sim” para a maioria das perguntas, sinto lhe dizer, mas tudo isso te importa, e o destino dele te implica.

Só para ilustrar, a pesquisa PoderData mostra que 29% dos brasileiros têm apenas o SUS como forma de garantia de acesso à serviços de saúde, e 44% o utilizam com certa frequência. Agora imagine isso no atual período, de uma das piores pandemias de nossa histórica recente... Mais ainda: segundo dados da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a cada 100 brasileiros, apenas 12 são servidores públicos. Comparado com os países desenvolvidos, o Brasil possui apenas metade do percentual desses. Na área da educação, a disparidade aumenta ainda mais.

Sendo assim, se nossa população depende do serviço (e servidores!) público, se você dependeu – ou ainda depende – ou se você está inserida nele, não há desculpas. Essa responsabilidade por zelar por ele e defendê-lo diante dos inúmeros ataques também é sua! Não, aqui não cabem salvadores da pátria e nem soluções externas à política: ou você também faz sua parte, somando às das demais, ou no final os perdedores nem ficarão com as batatas!

“E como fazer essa defesa/resistência?”, você pode me questionar. Ora, há várias formas: se organizando no seu local de trabalho, se informando e debatendo sobre as alterações governamentais e/ou institucionais junto aos seus colegas de trabalho, conscientizando os seus familiares e amigos sobre a importância do serviço público e se filiando a sindicatos e promovendo a luta, seja por meio de manifestações, atos, greves etc. Idealmente, através de todas as formas combinadas. Mas, se não for possível, a partir de uma ou algumas delas.

Você também pode me questionar, dizendo que você não tem experiência e/ou jeito para isso. Olha, eu também não tinha, mas foi através da luta e das sucessivas experiências que fui aprendendo: movimento secundarista, participação em ONGs, movimento estudantil na universidade, participação em movimentos sociais e atos/protestos, e, finalmente, filiação e composição em sindicatos. É sempre necessário dar o primeiro passo. O caminho vem com o tempo. Eu, por exemplo, fui trilhando esse caminho parte por desejo, em partes por contingências. Não nasci pronto, errei muito, tive que correr atrás, estudar e aprender bastante sobre os temas e ações que participava. Como resultado, sempre aprendi muito e cresci enquanto pessoa. Foram escolas tão importantes quanto o fundamental, o ensino médio ou mesmo a universidade.

Sei que neste ponto talvez ainda haja uma desconfiança, sobretudo quando você leu a palavra “sindicato”. Olha, entendo bem parte de sua inquietação. Mas queria te dizer duas coisas: primeiro, que talvez elas sejam só uma impressão apressada, que pode ser refeita com a participação e a experiência; segundo, que sem os esforços do sindicato as coisas poderiam ser piores – muito piores! Vejam o próprio caso do IF Sertão-PE. Ao longo de todos esses anos, quantas vezes o sindicato não precisou partir para lutar e intervir em situações de injustiça, perda de direito dos servidores, assédios e perseguições, dentre outros? Quantas vezes você, ou algumas outras servidoras, não precisou do sindicato e/ou se beneficiou de algum ganho obtido através dele? Ouso dizer que a maior parte delas, se não todas. Não é?!

Mas para que o sindicato continue em nossa defesa, e até obtendo ganhos de mais direitos para nós, é preciso que ele exista. Neste ponto, você sabia que o Instituto tem mais de mil servidores atualmente, mas só em torno de 10% é filiada à seção sindical local? E qual a relação entre a filiação e a existência do sindicato? A filiação aqui é necessária por um motivo muito simples: com uma contribuição mínima mensal do seu salário, o sindicato pode existir fisicamente, com sede própria, serviço administrativo, site e canais de comunicação, assessoria jurídica; pode fomentar ajuda a outros movimentos sociais; promover eventos etc. Em suma, se organizar e se movimentar politicamente para defender os nossos direitos. E, diante de um dos governos mais declaradamente contrário ao serviço público e aos seus servidores, não dá para não contar com o sindicato, concorda?

Eu sei, acho que agora começamos a compartilhar um entendimento comum. E espero que você realmente tenha compreendido meu apelo, e que venha logo se somar a nós. Inclusive porque para o sindicato continuar existindo, além do que falei anteriormente, é necessário que você, ele, nós nos engajemos nas lutas. Essa é a outra parte da qual depende a existência dele. E sabe o porquê? Bertold Brecht (1898-1956), dramaturgo alemão, nos ensina:

“Primeiro levaram os negros, mas não me importei com isso: eu não era negro. Em seguida levaram alguns operários, mas não me importei com isso. Eu também não era operário. Depois, prenderam os miseráveis. Mas não me importei com isso, porque eu não sou miserável. Depois agarraram uns desempregados. Mas como tenho meu emprego eu também não me importei. Agora estão me levando! Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém, ninguém se importa comigo”. (BRECHT, B. É PRECISO AGIR [Adaptado])

Sei que os tempos são pesados e nada fáceis. Sei também que o desânimo, a angústia e o medo nos paralisam, desmobilizam e nos sufocam. E sei também que as coisas parecem que não poderão nunca mais voltar ao bom estado que um dia tiveram. Mas queria dizer a você, minha querida camarada, que aprendi com a História e com o ofício profissional que nada em sociedade é imutável. Tudo o que foi desfeito pode ser reconstruído. Tudo o que foi tomado pode ser reavido. Como? Através da luta, pois as mulheres e homens são sujeitos de suas histórias. Não pelas reclamações de corredor, não ignorando, nem muito menos se voltando para seus assuntos pessoais. A saída não é individual, mas coletiva. A organização nos fortalece, a solidariedade nos anima e a luta nos fortifica. Os grilhões todos nós já temos. Agora é nos juntarmos para alcançar a nossa liberdade.

A esperança vem com a luta, e só a luta nos possibilita ter esperança em um futuro melhor.

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Cícero Muniz
Doutorando em Sociologia pela Universidade de Brasília e Professor EBTT em Sociologia, campus Serra Talhada. É servidor do IF Sertão-PE desde 2015, participando da atual Direx do SINASEFE (mandato “tampão”, set 20-set21) e da antepenúltima Direção Executiva da seção (2017-2019)


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