
OITO ANOS DO SINASEFE NOS CEM ANOS DE PAULO FREIRE: INSPIRAÇÕES PARA CONSTRUIR O FUTURO
Publicado em 22/04/2021 às 12:08
Por Luís Osete Carvalho
Em abril de 1983, o educador e filósofo Paulo Freire desembarcou na margem direita do Rio São Francisco, em Juazeiro/BA, a convite do saudoso bispo Dom José Rodrigues para uma semana de estudos e reflexões com 20 educadores/as ligadas/os ao trabalho educativo da Diocese. O desafio proposto pelo patrono da educação brasileira foi o de aprofundar com as/os participantes uma proposta educativa crítica e criativa, capaz de provocar atitudes dialogais e mobilizar saberes contra todas as formas de opressão e domínio do humano sobre o humano.
Em abril de 2013, o representante da Direção do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe), William Carvalho, desembarcou na margem esquerda do Rio São Francisco, em Petrolina/PE, a convite dos/as servidores/as do Instituto Federal do Sertão Pernambucano (IF Sertão-PE) para apresentar os princípios da entidade e fomentar a criação de uma seção sindical autônoma. Entre os princípios apresentados por William, estão a defesa de uma educação pública, gratuita, laica e com referência social, a luta por uma sociedade sem explorados e a democratização das Instituições Federais de Ensino.
O que esses dois acontecimentos separados em 30 anos e unidos pelo Velho Chico têm em comum?
A inspiração, respondo. Muitas vezes precisamos, no transcorrer da vida, sermos inspirados pelas experiências alheias para tomarmos atitudes necessárias ao fortalecimento da nossa caminhada. Do mesmo modo que o professor Luiz Gonzaga Gonçalves, um dos participantes da semana de diálogos com Paulo Freire, afirma que "o itinerário que se abria ali, hoje posso ver, era para ser buscado ao longo de uma vida”, posso afirmar, como testemunha da vinda de William para Petrolina, que o caminho aberto pela passagem dele seguirá sendo percorrido ao longo de nossas vidas por todos/as os/as que fazem o Sinasefe IF Sertão-PE.
“Aos poucos, comecei a rever algumas páginas da minha experiência educativa naquele contexto sertanejo. Comecei a exercitar uma reflexão mais cuidadosa e deliberada acerca de alguns momentos inscritos em minha prática de educação popular”, acrescenta Luiz Gonzaga, em suas reflexões do abril de 1983. Eu acrescentaria, parafraseando-o e pensando em nosso abril de 2013: aos poucos, começamos a rever e escrever algumas páginas fundamentais da relação dos/as servidores/as do IF Sertão-PE com as demandas educacionais do próprio Instituto e do sertão pernambucano. Começamos a exercitar reflexões mais abrangentes, profundas e cuidadosas acerca dos nossos desafios trabalhistas e do nosso compromisso em desenvolver, organizar e apoiar ações que visem às conquistas de melhores condições na educação, na vida e no trabalho.
E, em nossa pedagogia sindical da esperança, seguimos de mãos dadas com Paulo Freire, que no dia 19 de setembro deste ano completa o seu festejado centenário, tendo nascido no Recife, capital do nosso Estado. Celebramos com Freire essa efeméride, louvando os seus inestimáveis ensinamentos. Sua rebeldia política perante a situação em que vivemos, sua inventividade pedagógica a serviço da emancipação humana, sua capacidade de amar o próximo e fazer do amor uma força motora de sua luta política.
São esses ideais que a Seção Sindical do Sinasefe IF Sertão-PE não pode abrir mão. Em um contexto de políticas regressivas e autoritárias, promotoras de mais desigualdades e do incentivo à mercantilização das práticas educativas, de perseguição à função de educador/a, de desinvestimento educacional e sufocamento da educação pública, de repressão constante à militância sindical e qualquer outra forma de resistência no ambiente de trabalho, precisamos reacender a chama freireana. Entender que educar é amar lutando, questionando, dialogando, agindo, pensando, aprendendo, ensinando.
Precisamos também confrontar as tentativas em curso de expurgar Paulo Freire, que usa uma caricatura enganosa do educador pernambucano para justificar ataques gratuitos, irresponsáveis e danosos à educação pública, enquanto seguem cortando o orçamento e dificultando de várias formas o cotidiano educacional. Podem até tentar, mas nunca vão conseguir calar uma obra traduzida em mais de 20 línguas, reconhecida internacionalmente com dezenas de honrarias, como a Educação para a Paz da Unesco, e registrada em mais de duas dezenas de livros, como “Pedagogia do Oprimido”, “Educação como prática da liberdade” e “Extensão ou Comunicação?”.
Também nunca conseguirão calar a atuação sindical, embora tantos ataques tenham sido desferidos ultimamente, em todas as vias possíveis e imagináveis. A mesma pecha de "esquerda radical" segue sendo imputada aos sindicalistas e a Paulo Freire, curiosamente originárias de pessoas cotidianamente alimentadas por notícias falsas e pela recusa a um debate público justo, honesto e coerente. Nunca conseguirão nos ajustar docilmente às hierarquias existentes e evitar que continuemos questionando a ordem política. Nunca!
Afinal de contas, “existir é comprometer-se”, como bem resumiu Paulo Freire naquela semana de abril de 1983. Em sua travessia às margens do Velho Chico, pronunciou essas palavras na Rádio Juazeiro em entrevista à escritora e radialista Marta Luz Benevides, quando esta lhe perguntou se acreditava na perspectiva de educação libertadora que a Diocese estava ensejando no trabalho com as/os 20 monitores/as participantes daquela semana de estudos e reflexões. “O que vou dizer ao Dom José e a eles/elas, quando me despedir, é que não tenham medo de começar a fazer”, afirmou o nosso estandarte educativo.
Começar a fazer foi o que fizemos depois que William passou por aqui, em abril de 2013. Inauguramos naquele dia a Seção IF Sertão-PE do Sinasefe. Era 19 de abril e em 2021 celebramos oito anos. Oito, este número que deitado é o símbolo do infinito, da eternidade e do potencial divino. Número que na expressão popular é utilizado para definir extremos: ou oito, ou oitenta, ou seja, ou tudo, ou nada.
É, sem dúvida alguma, um momento para reforçarmos a defesa infinita do lado que sambamos. E a minha impressão, depois de compor duas diretorias e hoje integrar o Conselho Fiscal da entidade, é que sambamos do lado freireano, do lado do patrono da educação brasileira e de todos/as aqueles/as que inspiram experiências emancipatórias e libertárias, que constroem, com as suas trajetórias de vida e trabalho, um mundo sem opressores/as e oprimidos/as.
O que vou dizer nestas últimas linhas a todos/as as/os filiados/as à nossa seção sindical é que nunca nos falte coragem, amor e compromisso para seguir caminhando nessa trilha, nos reinventando, amando, lutando e fazendo sempre o que é preciso.
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Luís Osete Carvalho
IF Sertão PE – Reitoria